Brasil acima de tudo e rojão em cima de todos
Teorias da conspiração, retrato de Bolsonaro e Olavo 1984 marcam o Primeiro Congresso Conservador de Santa Catarina.
O evento está marcado para as sete horas da noite de uma sexta-feira e a entrada permanece, espantosamente, calma. Uma tímida placa no auditório central da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sinaliza a fila para o credenciamento do evento, que poderia ser facilmente confundido com uma atividade acadêmica qualquer. A diferença só pode ser notada quando subo para a próxima sala depois de confirmar meu nome na lista. Dois seguranças usam um scanner de metais na região da cintura dos que passam para confirmar se não portam armas. Preocupação coerente para quem vai a um congresso conservador.
Na entrada da sala principal duas moças entregam os crachás e nos convidam a conferir a banca de livros com títulos de direita dos mais diversos. “A mente esquerdista”, “Como ser um conservador” e “Feminismo: perversão e subversão” faziam parte da lista, além, é claro, de grande parte da obra de Olavo de Carvalho. O ideólogo, inclusive, é o principal palestrante da noite. “Falando conosco diretamente dos Estado Unidos”, como anunciou empolgada uma das organizadoras. Ao entrar no auditório principal, dois grandes retratos, um em cada lado da mesa de debates, recepciona quem chega para o congresso. À direita, Jair Bolsonaro e ao oposto da direita, Olavo de Carvalho.
Enquanto o evento ainda não começa ouve-se um estouro. Os que aguardam no auditório se entreolham e continuam a conversar naturalmente. Talvez algo tenha caído no chão, pensamos. Na última fileira, um homem sentado ao meu lado tecla em seu notebook rapidamente, ele é, aparentemente, o único membro da imprensa presente, fazendo a cobertura para um blog de direita. “A esquerda já tem muito blog, né?”, diz ele justificando a existência do seu veículo em meio a grande variedade de opções conservadoras na internet. Mais alguns minutos se passam e o evento está atrasado. A monotonia da espera só é quebrada pelo barulho de mais um estouro. Desta vez maior e acompanhado de um leve cheiro de pólvora.
O evento começa e os palestrantes são apresentados. Os primeiros são Carlos Jordy, deputado federal (PSL-RJ) e Jessé Lopes (PSL-SC), deputado estadual que ficou famoso na UFSC depois de publicar vídeos denunciando a “balbúrdia” dentro da universidade, o que incluiu discussão com alunos e a entrada sem permissão em um centro acadêmico. Além deles, o assessor especial da presidência da república, Filipe Martins, o dono do blog Terça Livre, Allan dos Santos e a estrela da noite, Olavo de Carvalho, fazem parte do headline. Feitas as introduções todos se colocam de pé para o hino nacional que começa a tocar, enquanto uma versão virtual da bandeira brasileira tremula nos telões do auditório.
“Deitado eternamente em berço…” Um rojão estoura. Ao mesmo tempo palavras de ordem podem ser ouvidas do lado de fora do auditório. As entradas da sala são fechadas as pressas. Mais rojões estouram em meio a gritos cada vez mais altos. O hino continua a tocar e o cheiro de pólvora toma conta do auditório. Os gritos vão ficando mais altos. Parte da organização do evento sai da sala para tentar resolver a situação. Espalhados pelas fileiras do auditório, os participantes do congresso se entreolham tentando entender o que se passa lá fora. Todos sabiam que era arriscado realizar um congresso conservador em uma universidade federal, poucos sabiam que seria tanto.
Mesmo com o frenesi fora do auditório todos continuam a cantar o hino nacional até o final. “Pátria amada Brasil!” Uma das organizadoras caminha de um lado para outro tentando acalmar alguns dos participantes. “Tem uns trinta e tantos […], um pouco acalorados”, comenta ela com o blogueiro ao meu lado. Carlos Jordy abre a primeira discussão da noite sobre conservadorismo cultural e ressalta “fazemos o primeiro congresso conservador no coração deles”. Por conta da fumaça dentro do prédio o alarme de incêndio começa a tocar. A palestra segue.
A s manifestações no lado de fora da sala são eventualmente contidas por seguranças, mas o teor dos discursos no congresso não parece acompanhar a calma que começava a tomar conta do local. “Vamos colocar um reitor conservador nessa universidade aqui!”, afirma Jessé Lopez em meio as ovações do público. Já Allan do Santos, fundador do Terça Livre, parece ter uma conexão ainda maior com a plateia. “Quem aí assina a revista Terça Livre?” Metade da plateia levanta a mão. “A ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) recebeu dinheiro de um milionário internacional, quem é?” Todos respondem em uníssono “George Soros!”. Podia até ser um comitê de campanha de Viktor Orbán.
Quando Filipe Martins, assessor especial da presidência da república, começa a dissertar sobre os perigos do Foro de São Paulo, boa parte da plateia já parece estar cansada. Um homem sentado numa fileira próxima a mim, por exemplo, se contém para não cair no sono, fechando os olhos em longas pausas antes de abri-los espantado. O toque da chamada do Skype interrompe a fala de Martins. Olavo está ligando.
Os organizadores atendem e a plateia entra em êxtase. Todos batem palmas e começam a tirar fotos, o Grande Irmão chegou para o evento. Olavo permanece no telão ao fundo fumando um charuto e aguardando a hora de tomar a fala. Enquanto isso, um prolixo Filipe Martins tenta terminar a sua palestra, mesmo que já ignorado por grande parte dos presentes. É difícil competir com o mestre, mesmo que ele só esteja fumando um charuto.
Quando Olavo de Carvalho toma a palavra, todos parecem despertar. Logo no início ele já deixa claro não ser ideólogo de ninguém. Segundo ele, seu papel é de um mero observador da realidade. A plateia atenta acompanha suas explicações e toma nota como em uma aula de faculdade. Entre uma tragada e outra no seu charuto ele guia seus alunos sobre como lidar com uma sociedade que segundo ele, está “impregnada com o discurso esquerdista”.
Enquanto Olavo disserta sobre batalhas ideológicas e marxismo cultural sou indagado por um jovem que havia se sentado ao meu lado minutos antes. Ele me pergunta se eu já havia feito o curso do professor Olavo. “Eu mesmo ainda tenho muito que estudar, é muito complexo”, comenta após a minha negativa. Tento, mas não consigo manter uma conversa muita extensa com o meu colega de palestra. Ele está concentrado demais no que Olavo tem a dizer.
Durante a fala do ideólogo o discurso complexo e as palavras bem escolhidas são intercaladas com comentários pouco ortodoxos. “Os reitores de todas essas m*, inclusive nessa em que vocês estão, não fazem nada”, comenta com relação as universidades públicas. Sobre o racha no PSL, ele tem uma explicação simples: “Eram esquerdistas que viraram direitistas. […] É o Alexandre Fruta, é a Joyce Peppa Pig.”
Ao final da palestra e em meio aos agradecimentos da organização uma dúvida toma conta de mim e de parte dos presentes. Como iremos sair do prédio? Deixo alguns mais corajosos irem na minha frente e vou seguindo logo atrás. Quando vejo as sirenes do lado de fora fico mais calmo. Uma viatura da Polícia Militar nos escolta na saída do auditório. Terminamos sãos e salvos e, felizmente, não foi preciso seguir a sugestão de Olavo. Durante sua fala, ao ficar sabendo do ocorrido mais cedo, havia nos aconselhado. “Vão lá e deem um cacete nesses filhos da p*!” Nos tempos em que vivemos, não me surpreenderia se alguns tivessem acatado a sugestão.
O congresso foi realizado no dia 29 de novembro de 2019, o texto redigido alguns dias depois.